terça-feira, 1 de julho de 2025

Cães no Diário do Rio

 Cães de Guarda: o livro que escancara a cumplicidade entre imprensa, censores e o regime militar (https://diariodorio.com/caes-de-guarda-o-livro-que-escancara-a-cumplicidade-entre-imprensa-censores-e-o-regime-militar/)


Obra de Beatriz Kushnir, que será debatida em live no canal do Dicas Históricas, denuncia o envolvimento direto de jornalistas com a censura e os órgãos da repressão durante a ditadura militar.


30 de junho de 2025


Antônio Sá


Fiscal de Rendas aposentado do Município do Rio de Janeiro, Ex-Subsecretário de Assuntos Legislativos e Parlamentares do Município do Rio de Janeiro Bacharel em Direito e Economia.


https://diariodorio.com/caes-de-guarda-o-livro-que-escancara-a-cumplicidade-entre-imprensa-censores-e-o-regime-militar/


No dia 1º de julho, às 19h, o canal da Dicas Históricas no YouTube transmitirá uma live com a historiadora Beatriz Kushnir, autora do corajoso e minucioso livro Cães de Guarda: Jornalistas e Censores, do AI-5 à Constituição de 1988. A obra, publicada pela Boitempo, trata de um tema incômodo e até hoje pouco debatido com a profundidade necessária: a relação entre a imprensa brasileira e o regime militar, especialmente no que tange à censura e à colaboração ativa de jornalistas com o aparato repressivo.


Segundo a autora, seu objetivo é iluminar um território sombrio e desconfortável: a existência de jornalistas que atuaram como censores federais e policiais ao mesmo tempo em que escreviam nas redações. Com base em ampla pesquisa documental e entrevistas com censores — algo inédito — Kushnir revela o funcionamento da censura, os bastidores da autocensura e a cumplicidade velada (e às vezes escancarada) de veículos como a Folha da Tarde com os órgãos da repressão.


Este artigo se propõe a apresentar um resumo do livro, capítulo por capítulo, sem omitir o rigor e a densidade da análise de Beatriz Kushnir.


Prefácio e Apresentação: Entre Censura, Violência e Colaboração


O prefácio, escrito por Stella Bresciani, apresenta o livro como um trabalho corajoso que enfrenta uma das manifestações mais perversas do poder autoritário: a censura. Beatriz Kushnir parte do princípio de que calar o outro é recusar o próprio debate político, e por isso a censura representa uma das formas mais violentas de dominação.


Na apresentação, a autora introduz a complexidade do tema, mostrando que a censura no Brasil não era apenas imposição estatal: muitas vezes, foi exigida por setores da sociedade civil e implementada por jornalistas formados e conscientes. Há destaque especial para o caso do Pasquim, cuja liberdade da censura foi percebida como armadilha para instaurar a autocensura.


Capítulo 1 – Os donos do tempo: jornalistas e historiadores


Neste capítulo, Kushnir faz um balanço da produção historiográfica sobre a censura e a imprensa durante o regime militar. Ela propõe romper com a narrativa de que todos os jornalistas foram resistentes e destaca a atuação de um grupo colaboracionista. A autora analisa os “intelectocratas” — jornalistas que se tornaram censores — e propõe um novo olhar sobre os códigos éticos, simbólicos e institucionais que marcaram esse momento da história. A censura é tratada como um instrumento político, legitimado por um complexo sistema legal e social.


Capítulo 2 – 20.493/46, 5.536/68 e 1.077/70: os limites do que nos era permitido saber


Este capítulo é uma imersão na legislação censória. Beatriz resgata as principais normas que estruturaram juridicamente a censura no Brasil. O “tripé” formado por esses decretos-lei sustentou a censura prévia, a vigilância sobre espetáculos públicos e o controle sobre a produção cultural. Kushnir mostra como o aparato legal era constantemente reforçado e ajustado, revelando o empenho do regime em transformar o arbítrio em norma.


Ela também investiga a falsa sensação de “abertura” com o fim da censura prévia em alguns jornais, revelando que a autocensura se tornou, então, o principal mecanismo de controle — resultado de anos de adestramento.


Capítulo 3 – Máscara negra: censores e interdições. As trilhas da liberdade de expressão


Neste trecho, a autora entrevista censores — muitos deles jornalistas — e traça perfis distintos. O capítulo trata da formação dos censores, das diferentes gerações que passaram pelo DCDP (Departamento de Censura e Diversões Públicas) e dos embates entre censores “intelectuais” e “policiais”. Há uma reflexão profunda sobre como a censura se tornou um ofício técnico e burocrático, revestido de legalidade, mas com impacto brutal sobre as liberdades individuais e coletivas. O capítulo também investiga a censura na Nova República e mostra como certos vetos perduraram mesmo após 1985.


Capítulo 4 – O jornal de maior tiragem: a trajetória da Folha da Tarde. Dos jornalistas aos policiais


Este capítulo é o mais explosivo e talvez o mais polêmico do livro. Beatriz Kushnir reconstrói a história da Folha da Tarde, veículo do Grupo Folha da Manhã, e revela como o jornal passou, ao longo da ditadura, de uma redação composta por militantes e simpatizantes de esquerda a uma equipe formada por policiais e censores.


A autora mostra como o jornal se transformou em instrumento da repressão, a ponto de ser apelidado de “Diário Oficial da Oban” (Operação Bandeirantes). Ela detalha o processo de substituição dos jornalistas por agentes ligados à repressão e identifica, com base em entrevistas e documentos, os principais nomes envolvidos nesse processo.


Trata-se de um verdadeiro estudo de caso sobre a colaboração direta entre parte da imprensa e o regime. Kushnir demonstra que alguns diretores do jornal exerciam simultaneamente funções jornalísticas e policiais, atuando como censores nas redações e repassando informações ao aparelho repressivo.


Notas finais e Soberba: entre pecado, delito e perdão


Após a análise dos quatro capítulos centrais, o livro apresenta uma reflexão sobre o peso das escolhas feitas durante o período. Kushnir recupera o conceito de “soberba” não como pecado teológico, mas como postura social: o orgulho de quem colaborou com o regime e jamais se arrependeu. Ela discute como, após a redemocratização, muitos desses colaboradores passaram a ocupar lugares de prestígio, apagando do discurso público sua atuação durante os anos de chumbo.


Há um esforço ético da autora em não cair no moralismo: o objetivo não é julgar, mas historicizar. Ainda assim, o desconforto permanece — e é justamente este desconforto que o livro quer provocar.


A passagem dos gansos: quando jornalistas e policiais se confundem


Este trecho final serve como uma metáfora para a mistura de papéis que se tornou comum durante a ditadura: jornalistas que viraram policiais, policiais que viraram jornalistas, censores que se travestiram de editores. É uma crítica contundente à promiscuidade entre imprensa e repressão. O capítulo sintetiza a tese central do livro: nem todos os jornalistas foram heróis — alguns se tornaram, literalmente, cães de guarda do regime.


“Cães de Guarda” é um livro necessário. Ele desconstrói mitos, enfrenta tabus e aponta para um campo ainda pouco explorado da nossa memória política: a cumplicidade de setores da imprensa com o autoritarismo. A obra incomoda porque mostra que a censura não era apenas imposta: era também desejada, pedida, aceita — por jornalistas, donos de jornal e até por leitores.


A live marcada para o dia 1º de julho, às 19h, no canal da Boitempo no YouTube, será uma excelente oportunidade para ouvir da própria autora os bastidores da pesquisa e os desafios de publicar uma obra tão corajosa.


Veja abaixo o sítio da transmissão:


https://www.youtube.com/live/16ry3P2WpKg?si=jwA14BS5Abq65tmB



Se queremos, de fato, garantir que “nunca mais” volte a acontecer, precisamos conhecer os detalhes do que aconteceu. E Beatriz Kushnir, com sua pesquisa rigorosa e seu compromisso com a história, nos dá esse presente incômodo e inadiável.

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Cães no Dicas Históricas

 Olá, Um papo longo e instigante com o incrível Fabrício Gomes. Depois me diz o que achou.  Para ouvir, clique na imagem.