sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

Como seria nossa vida se o AI-5 estivesse em vigor?

http://noticias.uol.com.br/infograficos/2013/12/12/ai-5-completa-45-anos.htm

ESPECIAL: 45 anos depois, jornalistas relatam cenário pós-AI-5 na imprensa




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Apropriando-se de elementos como poemas, receitas de bolos e desenhos de figuras diabólicas, os jornais e revistas enfileirados na esteira da máquina da censura esquivavam-se do governo e conseguiam, de certo modo, alertar os leitores sobre os temas proibidos nas publicações.
A violação da liberdade de expressão, direito essencial da democracia, atingiu em cheio a imprensa durante o regime militar no Brasil. A grande mídia se afinava ao governo, enquanto alternativos apontavam as torturas. Mas, a simbiose entre a atividade jornalística e o poder fez com que os veículos encontrassem recursos para conseguir driblar os censores.Os jornalistas aprenderam a narrar os fatos nas entrelinhas e o povo se adaptou a ler esses códigos, explica a jornalista e pós-doutora em comunicação Joana Puntel. "Escrevi uma matéria, bastante grande, denunciando uma instituição governamental sem usar nenhuma vez o nome da entidade. Então, aprendemos como dizer as coisas sem esconder a verdade, mas de uma forma que o povo nos entendesse ", acrescenta a profissional, que atuava na revista Família Cristã.

Farsa real

A Rainha Elizabeth II visitou o Brasil em 1968, acompanhada pelo príncipe Philip. A visita, que durou dez dias, de 1 a 10 de novembro, antecedeu o AI-5. Ela chegou em Recife, foi para Salvador e, de lá, seguiu para Brasília, São Paulo e Rio de Janeiro.

Na capital paulista, inaugurou o Museu de Arte de São Paulo (MASP). Segundo Rose Nogueira, que trabalhava na Folha da Tarde, aquela foi a última vez que os jornalistas noticiariam um grande evento com liberdade. “O que sabíamos na imprensa e, em todo lugar se falava, é que os militares estavam esperando a rainha ir embora para fazer o decreto. Foi o que aconteceu realmente.”

Memórias de uma guerra suja

No jornalismo desde os anos 1970, com passagem por grandes veículos de comunicação, Paulo Markun foi trabalhar na TV Cultura, onde conheceu Vladimir Herzog, então diretor de jornalismo da emissora. Os dois tinham ligação com o Partido Comunista Brasileiro (PCB), proibido pela ditadura, e logo foram presos e convocados a depor pelos agentes do Destacamento de Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi). Ele foi uma semana antes. Vlado em 24 de outubro de 1975 e, no dia seguinte, estava morto.

O jornalista conta que as prisões de 1975 apontavam o novo cenário político do país, que se deu pelo “golpe dentro do golpe”, instaurado pelo AI-5. “O que aconteceu de diferente no período da nossa prisão é que já havia alguma liberdade de imprensa e um governo, do Geisel, que era um pouco menos duro do que o ano anterior.”

O fato de Herzog ter se apresentado gerou uma indignação pública muito grande, segundo o jornalista. Somente com as mobilizações organizadas, como o culto ecumênico na catedral da Sé, a união das igrejas e de estudantes da USP, mudou a forma como a imprensa abordava a morte de Vlado.

“A imprensa, ainda naquela ocasião, não agiu de modo unânime em defesa dos presos e dos direitos humanos. Houve vários jornais que publicaram apenas a versão dos órgãos de segurança sobre a morte do Vlado, que era uma versão falsa, a de que ele teria se suicidado”, explica Markun.

A historia marcante dos jornalistas rendeu o livro "Meu Querido Vlado: A História de Vladimir Herzog e do Sonho de uma Geração", relato pessoal de quem sobreviveu aos porões da ditadura, baseado em lembranças e na pesquisa de documentos do Dops (Departamento de Ordem Política e Social).

Joana Puntel conta que, na época, foi escalada para acompanhar, junto com sua colega, a situação dos padres franceses na Guerrilha do Araguaia (PA), maior movimento armado contra a ditadura militar promovido pelo Partido Comunista do Brasil (PCdoB), ainda na ilegalidade.

“Atravessamos o Rio Araguaia com a chamada voadeira e, quando chegamos, os soldados já estavam lá, armados. Eles olhavam para gente, perguntavam para onde iríamos e o que iríamos fazer, como se estivéssemos fazendo algo errado”, conta. O destino era a casa paroquial, local onde iriam conversar com três líderes da comunidade. Após passar pela perseguição de soldados, as jornalistas conseguiram que os guerrilheiros contassem a realidade enfrentada pelo povo, o que incluía diversas prisões, torturas e mortes.

Joana diz que o outro desafio foi voltar para Araguaína, local onde iria enviar a matéria para a redação. “Coloquei as três folhas entre a calça e tentava andar de um modo que ninguém percebesse. Depois de atravessar o rio, o ônibus que deveria pegar atrasou 15 minutos, o que, para mim, durou uma eternidade. Não queria perder de jeito nenhum a matéria e a minha carteira de jornalista.”

A jornalista Olga Bardawil relembra a história de seu marido, o também jornalista José Carlos Bardawil, que sofria de câncer na medula e morreu em janeiro de 1997. O profissional acompanhou diversos acontecimentos políticos do país e fez parte da primeira turma da revista Veja.

No período, ele também foi alvo dos censores. Bardawil produzia uma reportagem sobre o decreto do Ato em Brasília, mas teve de levar a foto e escrever a reportagem em São Paulo, sede da publicação.

A fotografia, feita anteriormente, estampava Costa e Silva sentado no Congresso vazio. A imagem foi a escolhida por Mino Carta, então diretor da revista, para ser a capa da publicação. Com receio de ser barrado pelos censores, Bardawil escondeu a imagem dentro de sua camisa e pegou um ônibus para o Rio de Janeiro, de lá, foi para a capital paulista.

Até chegar na metrópole, passou por duas barreiras policiais na estrada, mas conseguiu salvar a imagem. A publicação, entretanto, celebrada pela redação, foi censurada como outras edições. "Depois a censura se instalou na revista", explica Olga. Mais tarde, as matérias que não saíram emVeja foram reunidas e publicadas no livro "Os Sobreviventes", lançado em 1977 pelo Senado Federal.

Cenário atual

A historiadora Beatriz Kushnir defendeu uma tese de doutorado na Unicamp em 2001, publicada em 2004, que tenta demonstrar que a ditadura e o golpe receberam apoio da sociedade civil — além de parte da grande imprensa. “O que vai acontecer após o AI-5 são várias limpas dentro das redações e, aí, você terá vários veículos alternativos”, afirma.

“Mas, basicamente, essa ideia de resistência por parte da imprensa tento relativizar, já que parte da grande imprensa deu apoio ao golpe. Isso não quer dizer que não tenham existido momentos de resistência', comenta.

Ela explica que muitos veículos distorciam ou omitiam fatos para não serem censurados. “A autocensura é uma prática nas redações”, enfatiza. Para ela, ainda é possível observar isso em veículos hoje em dia. “Quem estava muito interessado em entender o que aconteceu no Brasil durante as passeatas de junho, não leu os grandes jornais, leu os jornais on-line. Porque se lesse a grande imprensa, não entenderia o que estava acontecendo.”

* Com supervisão de Vanessa Gonçalves


 

No Barão de Itararé: Mídia e Golpismo, Ontem e Hoje (1964-2024)

  Car@s; Deixo um debate muito bacana que participei.  Para assistir, click na imagem.